quinta-feira, outubro 02, 2008

Nossa América: As Duas Faces das ONGs James Petras

Comentaristas e intelectuais mostraram-se surpresos quando muitos líderes e ativistas de organizações não governamentais (ONGS) se uniram à campanha eleitoral de Vicente Fox* e, com sua vitória, esperam receber cargos dentro de seu novo governo. A idéia de que líderes "progressistas" das ONGs se unam a um regime abertamente partidário do "livre mercado" parece estranha. Não obstante uma análise mais profunda da história e dos antecedentes de funcionários de ONGs na América Latina, assim como de suas ideologias e vínculos com doadores externos, poderia haver profetizado este cenário. Na transição ocorrida na política eleitoral do Chile, Bolívia, Argentina e América Central, numerosos líderes de ONGs se aliaram a regimes neoliberais que utilizaram suas experiências organizacionais e retóricas progressistas para controlar protestos populares e solapar movimentos de classes sociais. Desde o início da década de 80, as classes dominantes neoliberais, junto com o governo dos Estados Unidos e governos europeus, se asseguraram de que as políticas do "livre mercado" estavam polarizando as sociedades na América Latina. Mediante fundações privadas e fundos estatais, começaram a financiar as ONGs, as mesmas que expressavam uma ideologia contra o estado e promoviam a "auto-ajuda". Ao final deste milênio, existem umas 100 mil ONGs em todo o mundo que recebem cerca de 10 milhões de dólares e competem com os movimentos sociopolíticos pela lealdade das comunidades militantes. Ainda que as ONGs tenham denunciado violações aos direitos humanos, raras vezes denunciam seus benfeitores da Europa e dos EUA. À medida que aumentou a oposição ao neoliberalismo, o Banco Mundial (BM) incrementou os donativos destinados às ONGs. O ponto fundamental de convergência entre as ONGs e o BM era a repulsa de ambas as entidades ao "estatismo". Superficialmente, as ONGs criticavam o Estado numa perspectiva de "esquerda" em defesa da "sociedade civil", enquanto que criticavam o BM em nome do "mercado”. Na realidade, o BM e os regimes neoliberais aproveitaram as ONGs para minar o sistema de seguridade social estatal, e foram utilizados e reduzidos a meios para compensar as vítimas das políticas neoliberais. Enquanto os regimes neoliberais diminuíam os níveis de vida e saqueavam a economia, fundaram-se as ONGs para promover projetos de "auto-ajuda" que absorveriam, temporariamente, pequenos grupos de desempregados pobres, ao mesmo tempo em que recrutavam líderes locais. As ONGs se converteram no "rosto comunitário" do neoliberalismo e se relacionaram intimamente com os de cima e complementaram seu trabalho destrutivo. Quando os neoliberais transferiam lucrativas propriedades estatais, privatizando-as para os ricos, as ONGs não tomaram parte de uma resistência sindical. Ao contrário, mostraram-se ativas na elaboração de projetos privados, promovendo o discurso da iniciativa privada ("auto-ajuda") ao dedicarem-se a fomentar microempresas nas comunidades pobres. As ONGs criaram pontes ideológicas entre pequenos capitalistas e os monopólios que se beneficiaram das privatizações – tudo em nome do anti-estatismo e da construção da sociedade civil. Enquanto os ricos criavam vastos impérios financeiros a partir das privatizações, profissionais de classe média que trabalhavam com as ONGs recebiam pequenos fundos para financiar seus escritórios, seus gastos com transportes e suas atividades para promover atividades econômicas de pequena escala. O importante aqui é que as ONGs despolitizaram setores da população, ignoraram seus compromissos para com atividades do setor público e se aproveitaram de lideres sociais potenciais para a realização de projetos econômicos pequenos. Na realidade as ONGs não são não-governamentais. Recebem doações de governos estrangeiros ou funcionam como agências subcontratadas por governos locais. Igualmente importante é o fato de que seus programas não são qualificados pelas comunidades a quem ajudam, e sim pelos financiadores estrangeiros. É neste sentido que as ONGs sabotam a democracia, ao arrancar programas sociais das mãos das comunidades e de seus líderes oficiais, para criar dependência a cargos de funcionários não eleitos, provenientes do exterior, que escolhem e ungem seus interlocutores locais. A ideologia das ONGs quanto a suas atividades privadas e voluntárias destrói o sentido de "público"; a idéia de que o governo tem a obrigação de representar a todos seus cidadãos. Contra esta noção de responsabilidade pública, as ONGs fomentam a idéia neoliberal de uma responsabilidade privada para com os problemas sociais e a importância dos recursos para resolver estes problemas. Dessa forma, as ONGs impõem uma dupla carga sobre os pobres: o pagar impostos para financiar um Estado neoliberal que serve aos ricos e a autoexplorar-se de maneira privada para satisfazer suas próprias necessidades. Muitos dos líderes e militantes das ONGs são ex-marxistas ou "pós-marxistas", que tomam emprestados muito da retórica ligada a "dar poder ao povo", "o poder popular", "a igualdade de gênero" e o "governo das bases com o único que tem legitimidade", enquanto distanciam a luta social das condições que marcam a vida das pessoas. As ONGs se converteram em um veículo organizado que permite a mobilidade social ascendente para desempregados ou professores ex-esquerdistas mal pagos. O linguajar progressista disfarça o núcleo conservador das práticas da ONGs, tem sempre que ver com "dar poder", porém os esforços destes organismos raras vezes vão além de uma influência em pequenas áreas da vida social, utilizando os recursos limitados e sempre dentro das condições permitidas pelo Estado neoliberal. No lugar de dar educação pública sobre a natureza do imperialismo e sobre as bases clássicas do neoliberalismo, as ONGs discutem sobre "os excluídos", "os indefesos" e "a extrema pobreza", sem jamais passar de seus sintomas superficiais para analisar o sistema social que produz essas condições. Ao incorporar os pobres na economia neoliberal através de ações voluntárias que são exclusivamente da iniciativa privada, as ONGs criam um mundo em que a aparência de uma solidariedade e ações sociais ocultas uma conformidade com as estruturas nacionais e internacionais de poder. Não é por acaso que as ONGs têm-se convertido em entidades dominantes em certas regiões onde as ações políticas independentes têm decaído e o neoliberalismo rege sem oposição alguma. A conversão de líderes das ONGs, de porta-bandeiras do "poder popular” a simpatizante do presidente conservador eleito, Vicente Fox* , é, portanto perfeitamente compreensível. Os funcionários das ONGs proporcionam a retórica "populista" em torno da sociedade civil que legitimam as políticas do livre mercado. Em troca, suas nomeações como funcionários governamentais satisfazem suas ambições de mobilidade e ascensão social. Para os ex-esquerdistas, o anti-estatismo é a passagem que lhes concederá trânsito ideológico da política de classes e do desenvolvimento comunitário para o neoliberalismo. Para os intelectuais críticos, o problema não é só o neoliberalismo do "livre mercado" que vem das cúpulas, mas também o neoliberalismo da "sociedade civil", que provém de baixo.
- James Petras é do Departamento de sociologia da Universidade de Binghamton, em Nova York/EUA-

*Vicente Fox, presidente do México, eleito recentemente.

ESTE ARTIGO FOI DISTRIBUÍDO POR:

CEL – Célula de Entretenimento Libertário

BPI – Biblioteca Pública Independente



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