Não é um jantar iluminado, não é o cinema de mãos dadas, não é sentar na praça observando os aviões recortando as nuvens enquanto as crianças buscam enrolar as correntes do balanço no arco com pulos cada vez mais altos.
Não é o medo de perdê-la para outro homem. Nem o medo de me perder para a infância. O amor se resolve na banalidade. São os cílios, os farelos, os botões, os brincos, os cabelos que não enxergamos cair no chão. São as quedas mudas, as gentilezas brandas, o costume silencioso de seguir procurando um ao outro mesmo depois do casamento.
Minha mãe, por exemplo, antes fazia a benção em minha testa quando pequeno, nas saídas de madrugada para escola. Hoje ela faz questão de abrir e fechar o portão ao partir de sua casa. Tenho o controle, mas ela não me permite. Apertar o botão vermelho é seu jeito de continuar mantendo o sinal da cruz. Agora no rosto da estrada. Com as grades levantando lentamente a água sagrada da chuva.
Sei que você me ama quando deito no sofá para assistir televisão. Estou sozinho, desmantelado, nem escuto o que vejo, pouso em um canal, estável, deitando a cabeça no encosto duro. A altura desajeitada, imensa, mal cabendo naquele caixote de espuma. Naquele engradado de molas. As pernas balançando perto do abajur.
Não conversamos, suspiro sem cópia carbono. É nesse momento em que não estamos juntos que nos amamos. Porque não a vejo provando que me ama, nem me vejo confirmando que a amo.
Apago mais pelo cansaço do que pelo desejo. Vacilo as pálpebras algumas vezes até desistir. Tento comentar notícias, mas guardo para amanhã. Não tomei banho, não escovei os dentes, Sentei um pouco para respirar e fiquei. Acabei de chegar do trabalho, das aulas que permaneço de pé, talvez pela ansiedade de abraçar as palavras.
Não me acorda, não me empurra a cumprir horários. Me deixa ali. Até amanhecer.
Não duvido que muitos pensem que me abandonou para desfrutar os dois lados da cama. E ler tranquila, longe da minha insistência, não precisando explicar a história do livro.
Pareço um morto. Um morto que pode nascer de novo. Um morto obediente. Um morto crédulo.
O morto só será de uma mulher quando ela o velar em vida. Tenho certeza disso. Feliz da viúva que pode dizer: meu morto! Sem ter que dividi-lo. Chorando, absoluta, o reinado de sua dor.
Na dor, não queremos dividir, queremos não competir com mais ninguém. A morte é a única liberdade para sofrer. É um suicídio desperdiçá-la.
E me acordo assustado, procurando fixar o horário e o dia da semana. Olhos em remela, boca em ressaca. Seca.
Vejo que estou amorosamente acomodado. Diferente do estado em que adormeci.
Alguém pôs um travesseiro, alguém retirou meus sapatos, alguém me livrou do cinto. Alguém colocou uma coberta de lã para não tremer com as janelas.
Esse cobertor, não há dúvida, ainda é seu corpo.
Não é o medo de perdê-la para outro homem. Nem o medo de me perder para a infância. O amor se resolve na banalidade. São os cílios, os farelos, os botões, os brincos, os cabelos que não enxergamos cair no chão. São as quedas mudas, as gentilezas brandas, o costume silencioso de seguir procurando um ao outro mesmo depois do casamento.
Minha mãe, por exemplo, antes fazia a benção em minha testa quando pequeno, nas saídas de madrugada para escola. Hoje ela faz questão de abrir e fechar o portão ao partir de sua casa. Tenho o controle, mas ela não me permite. Apertar o botão vermelho é seu jeito de continuar mantendo o sinal da cruz. Agora no rosto da estrada. Com as grades levantando lentamente a água sagrada da chuva.
Sei que você me ama quando deito no sofá para assistir televisão. Estou sozinho, desmantelado, nem escuto o que vejo, pouso em um canal, estável, deitando a cabeça no encosto duro. A altura desajeitada, imensa, mal cabendo naquele caixote de espuma. Naquele engradado de molas. As pernas balançando perto do abajur.
Não conversamos, suspiro sem cópia carbono. É nesse momento em que não estamos juntos que nos amamos. Porque não a vejo provando que me ama, nem me vejo confirmando que a amo.
Apago mais pelo cansaço do que pelo desejo. Vacilo as pálpebras algumas vezes até desistir. Tento comentar notícias, mas guardo para amanhã. Não tomei banho, não escovei os dentes, Sentei um pouco para respirar e fiquei. Acabei de chegar do trabalho, das aulas que permaneço de pé, talvez pela ansiedade de abraçar as palavras.
Não me acorda, não me empurra a cumprir horários. Me deixa ali. Até amanhecer.
Não duvido que muitos pensem que me abandonou para desfrutar os dois lados da cama. E ler tranquila, longe da minha insistência, não precisando explicar a história do livro.
Pareço um morto. Um morto que pode nascer de novo. Um morto obediente. Um morto crédulo.
O morto só será de uma mulher quando ela o velar em vida. Tenho certeza disso. Feliz da viúva que pode dizer: meu morto! Sem ter que dividi-lo. Chorando, absoluta, o reinado de sua dor.
Na dor, não queremos dividir, queremos não competir com mais ninguém. A morte é a única liberdade para sofrer. É um suicídio desperdiçá-la.
E me acordo assustado, procurando fixar o horário e o dia da semana. Olhos em remela, boca em ressaca. Seca.
Vejo que estou amorosamente acomodado. Diferente do estado em que adormeci.
Alguém pôs um travesseiro, alguém retirou meus sapatos, alguém me livrou do cinto. Alguém colocou uma coberta de lã para não tremer com as janelas.
Esse cobertor, não há dúvida, ainda é seu corpo.
Por Fabrício Carpinejar
Fonte: http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/2009_09_01_archive.html
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