Sua vida era um monitor, sua vida era um computador. De onde eu morava podia ouvir seus dedos no teclado, podia ouvir os cliques no mouse, poderia ouvir todos os ruídos de sua vida. Raul como sempre estará em seu quarto, digitando, clicando, em seu computador. Sua identidade era o Orkut, seus amigos eram digitais, suas conversas eram em MSNs e seus bares eram as salas de bate-papo. Há tempos que não vejo Raul sair, de onde estou ouço sempre seu andar, seu digitar, seu clicar, mas não ouço sua voz, sua expressão e sua comunicação dependem de um meio chamado teclado. Raul pelo que sei apenas e unicamente alimentava-se de pizza. Seus passeios eram apenas por Second-Life, do qual formara seu eu cibernético, o que sempre quis ser, seu alter-ego falso, seu não eu interior. Raul não tinha amigos de verdade, só digitais do qual nunca conhecera, Raul tinha um filho digital, Raul tinha uma namorada digital, Raul tinha uma casa digital, Raul tinha um emprego digital, Raul tinha uma vida digital. Raul fazia parte da nova geração dos fones de ouvido, da qual podemos notar ao apenas sair nas ruas, os jovens e velhos com fones de ouvido, a musica repetitiva, a musica ruim que entra nos ouvidos humanos e impedem- o de pensar, o MP3 assassino da musica, os jovens que não pensam e só tem uma mesma batida ecoando em seus ouvidos como pensamento falecidos:
TUTTUTUTUTUTUTUTUTUTUTUTUTUTTUUTUTUTUTUTUTUT
Raul fazia parte desta geração, da geração fone de ouvido, da geração que levanta as mãos para a cultura japonesa como se eles fossem deuses, levantam as mãos para a cultura “Estadounidense” como se fossem deuses. Era a geração fone de ouvido da qual os pensamentos se tornaram uma única batida.
Raul não dormira esta noite, fiquei da sacada do meu prédio observando seus atos, não saira da frente de seu monitor, não piscara, não respirava, não sentia, não amava. Raul já nem sabia em que ano vivia ou como era o mundo lá fora. Raul não bebia água, só Coca-Cola, Raul não pensava, ouvia musica, musica barata, musica ruim. Podemos notar que a musica reflete o jovem, aos anos sessenta e setenta, anos de opressão a musica era revolucionaria como o jovem era. Hoje, anos de opressão e consumismo, a musica é consumista... Como o jovem. Raul era a imagem do jovem de hoje, parado em frente a um monitor, parado em frente a uma vida que cai como areia numa ampulheta, Raul era a imagem, Raul era uma geração inteira de jovens que morrem em frente a um monitor e esquecem de sua vida, Raul é uma geração de jovem que faz sexo verbal num celular, Raul é a geração morta dos jovens, adultos e velhos. Raul está em seu quarto, sua vida está passando devagar.
- O que você faz tanto lá Raul? – digo eu, um dia do qual consegui o fazerele sair de casa. Parecia um leão que acabara de chegar a um zoológico: Acuado com a realidade.
- Ouço musica, baixo vídeo, assisto anime, converso no Messenger, entro no Orkut, eu vivo cara, eu vivo!
- Vive?
- Vivo!
Ele olhava para mim como se fosse me atacar, eu bebia uma água mineral, ela estava gelada, as pedras de gelo flutuavam naquele copo com o comercial de uma loja famosa, ele olhava para mim, eu olhava para o copo, e num súbito movimento joguei o copo com a água gelada na cara de Raul.
- Você é louco! – ele me disse levantando e tentando enxugar seu I POD.
- Me diga o que você sentiu Raul! Como se sentes!
- Molhado! Como você queria que me sentisse!
- Você já se sentiu assim antes?
Ele me olha e roucamente diz:
- Não...
Então você vive Raul? Nunca se molhara em publico, você vive?
- Mas isso não tem nada a ver.
Levanto-me e dou-lhe um soco, ele cai, seu I POD se espatifa no chão. Seu rosto sangra, ele sente dor, não consegue levantar.
- Raul, o que sentes.
- Seu louco! Você quebrou meu nariz – as pessoa olhavam para nós assustadas.
- Me diga, já sentiu isto antes? Esta dor!?
- Não, nunca senti!
- E isso! – largo –me na cadeira exausto – você nunca vivera caro Raul, não sentira nada, como Adão não sentia nada no paraíso, foi só sair dele que passou a sentir dor. Meu conselho é que todos nós devemos sair do paraíso, do Jardim do Éden que agora se configura com o nome de Internet, devemos sair, ir embora, roubara as maças divinas pois se Deus não queria que comessem então ele que enfie onde quiser tais maças pois comeremos sim! Digo para abandonarmos Éden, digo para abandonarmos o paraíso, para abandonarmos a Internet e tudo que nos falsifica nossos sentimentos, hoje não sentimos dor, não sentimos ódio, não sentimos nada que era para um ser humano sentir, hoje programas de computador sente pela gente, nossas vidas é um “Avatar” de um jogo que imita a vida, mas não é igual a ela, nossa identidade é um Orkut do qual criamos nossos alter-egos e damos um tiro na boca do nosso verdadeiro eu interior, somos a geração dos fones de ouvido meu caro Raul, não pensamos, não sentimos dor, somos consumistas de um estilo de vida que não é nosso, somos vermes digitais e morremos sem notar o que se passa.
Raul olhava para mim, ele entendera a mensagem, ele entendera o que eu disse, ele levantara e me olhava com seu nariz sangrando para o fundo de meus olhos, ele olhava como se entendesse como se envergonhasse como se me encarasse e gritasse: Nasci.
Observei Raul chegar em seu apartamento, tinha um curativo no nariz quebrado e portava um embrulho. Notei ele chegar, rir, abrir o embrulho. Apareceu um Taco de Beisebol brilhoso, madeira maciça, com o nome de algum time americano. Ele chegara em frente ao seu computador, passou a mão no monitor como se fosse uma garota, olhou para o gabinete. O taco acertou em cheio o monitor que saiu voando partindo os cabos e fios, o vidro se estraçalha como se fosse uma alma morta, seu gabinete vira um “S” de pauladas, seu MP3 sua câmera digital sua vida digital se torna uma bola de fogo flamejante, ele ria, ele ria muito, ele quebrava tudo que fosse eletrônico, ele ria e gritava:
Eu estou livre!
Raul saiu pela porta da frente com seu nariz sangrando, e uma mala, nunca mais o vi... Tinha se libertado de seu paraíso, tinha ido embora do Jardim do Éden e tinha queimado a arvore do fruto proibido.